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MULHER COM H

Você pode não acreditar, mas entre pilhas e torres de material reciclável, eu encontrei um exército de guerreiras.

Elas estavam ali com uma armadura quase que impenetrável, seus olhares não cruzavam com os meus. Quase não existia voz e o único barulho que soava era o da esteira, que dominava todo aquele espaço. Elas estavam quase que em posição de ataque, todo e qualquer movimento que eu fazia era observado. Eu queria a todo custo saber mais sobre cada uma delas, toda e qualquer informação era completamente preciosa para mim. 

Só existia uma única possibilidade de desmontar aquelas armaduras, e sabe qual era? 

Conversar!

Abracei, sentei no chão coberto por uma poeira grossa e despir-me de toda e qualquer ideia de o que é certo ou não, falei com cada uma delas, pedi permissão e implorei por alguns minutos de atenção. 
O start foi dado, e o jogo das palavras tinha começado com uma das cooperarias que não queria de forma alguma ser fotografada ou filmada. Estava eu com uma missão de realizar uma matéria em vídeo sobre aquele espaço, só que os personagens não queriam ser filmados, o que fazer? 

Graças a Deus existia um gravador de voz com um dos integrantes da equipe e foi de forma clara e direta que eu falei a seguinte frase.

“Eu não posso perder um personagem tão especial como você, topa ser apenas gravadas em áudio? “. 

No momento não me toquei que essa foi a atitude de aproximação mais verdadeira que eu poderia ter tomado, eu estava me adaptando ao entrevistado e se ela não topasse ser gravada em áudio, eu sem dúvida escreveria tudo que ela falasse, assim como em um ditado. Estava eu ali, com um gravador na mão e o coração na outra, quando ela por fim topou e saiu falando sem parar. 
Por mais surreal que pareça, eu comecei a pessoa certa, ela se chamava Jandira e era uma das pioneiras da Cooperativa, ouvi histórias das quais eu jamais poderia imaginar, fora o grau de sabedoria que aquela jovem mulher me passava ao falar, eu fiquei encantado com a forma com a qual ela via tudo aquilo. Não foi preciso perguntar quem era aquela senhora que caminhava em nossa direção, ela já vinha se apresentando. 

 

 

 

- Meu nome é Ana Maria, mas pode me chamar de VÓ.

Sabe aquela sensação de aconchego que sentimos ao encontrar um conhecido? Foi assim.

Foi a partir desse momento em que uma aliança nasceu entre eu, um jovem jornalista, e uma sábia senhora. Ela acreditou em mim, me concedeu todo o seu tempo e ficou disponível para a minha infinita curiosidade. Ao longo do dia, eu conheci os outros integrantes dessa cooperativa que não se tratam como amigos de trabalho. Esses não se rotulavam como Mãe e filhos, eles eram apenas integrantes dessa grande família, família na qual é a maior parte é constituída por mulheres.
Elas têm idades e temperamentos diferentes, algumas quase não falam, outras falam demais, tem aquelas que com um olhar dizem muito e outras que sabem o poder que tem ao sorrir. 
Entre uma esteira rolante e dezenas de dedos atentos, passam diariamente milhares de produtos das mais diferentes cores. Entre uma garrafa de refrigerante e uma folha de papel, podem aparecer alguns animais indesejados, mas isso não é problema para essas mulheres com h.
A sua armadura da qual eu citei no início do texto é exatamente isso, elas não têm o privilégio de serem mulherzinha, elas são guerreiras, trabalhadoras e honestas, fazer o trabalho que muitos homens não dariam conta de fazer. Elas são Joana, Maria, Patrícia, Jandira e têm orgulho do seu trabalho. Elas têm sobrancelhas feitas, unhas pintadas, cabelos penteados e o direito de falar com orgulho que trabalham com material reciclável.

 

Texto: Rafael Newplen

Imagens: Fabio Camargo

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